20 September 2015

drowning man | memphis

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How much more can I stand
When you are pouring water on a drowning man?
You put me on the right track
And then you let me down
You stab me in my back, yes you do baby
Every time I turn around

(Otis Clay)
Cheguei à Memphis num fim de tarde, a estação ficava no centro da cidade, frio e imundo. A viagem durou o dia inteiro, e as cidades seguiam suas cores, vilas negras, vilarejos brancos, o rio e o blues não misturaram os homens. No Greyhound vi estudantes canadenses voltando do Mardi Gras, bêbados e barulhentos. E conversei com um rapaz que esperava ganhar na próxima cidade o suficiente para continuar para a cidade seguinte. Jack Kerouac talvez não tenha inventado toda aquela história, afinal, tive a impressão que ele estava on the road.
Atravessamos uma paisagem que era pontuado de cidades brancas ou pretas, prados verdes, com cada cidade no caminho mostrando a sua cor. Na estação de Memphis, eu era alvo de olhares curiosos, um branco perdido numa multidão negra, estrangeiro não pela cor, mas pela idéia da minha presença ali. Os Estados Unidos são cores primárias. Da porta do Bed & Breakfast afastado do centro, um Hell’s Angel gordo, indiferente e de longas barbas me apontou para o galpão destinados aos viajantes sem fundos, alguns passos mais longe. A casa antiga parecia já um pedaço de uma wasteland decadente, o galpão de camas comunais, desfeitas, mal-feitas estava em um círculo do inferno além. Tudo, o galpão, o Bed & Breakfast, o jardim, Memphis, os meus dias, era devastação.
No fim-de-tarde amarelo à margem do rio eu comecei a me perguntar o que eu poderia estar fazendo de fato. O que me levou até ali, os nãos recebidos naqueles meses, daquela moça distante, dum destino qualquer, não me levava mais além. O pôr-do-sol ia terminar de uma hora para outra, e eu queria acreditar que o Mississipi ia levar a solidão embora. Mas eu não era daquele lugar, nem o rio, nem a música me conheciam.. Tudo o que eu podia esperar da parada naquela cidade era uma espécie de clemência, esperar que o rio não me levaria ainda mais longe na minha viagem.

15 de fevereiro de 1994

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